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Resumo
O fim da 2.ª Guerra Mundial, com o consequente despertar das democracias e uma oposição revigorada pela derrota do fascismo na Europa, conduz a uma certa agitação cultural que, em Portugal, no campo da arquitectura, vai determinar uma reflexão sobre a arquitectura moderna no país.
Esta reflexão resulta, essencialmente, em três acontecimentos determinantes: o livro do arquitecto Fernando Távora “O problema da Casa Portuguesa”, de 1947; o I Congresso Nacional de Arquitectos em 1948; e, o mais significativo de todos eles, o inquérito à “Arquitectura Popular em Portugal” elaborado pelo Sindicato Nacional dos Arquitectos e publicado em 1961. Eventos que vão desencadear uma viragem na cultura arquitectónica portuguesa.
Surgida no pós-guerra, a segunda geração de arquitectos modernistas portugueses opõe-se ao neo-regionalismo materializado na suposta Casa Portuguesa que floresceu, na primeira metade do séc. XX, divulgada sobretudo pelo Arq.to Raul Lino. Fruto de uma visão arquitectónica algo limitada, algum atraso cultural e ideologia política dominante, que reduziam a questão da arquitectura regional portuguesa a uma colectânea de elementos típicos das diversas regiões para a composição das fachadas, a Casa Portuguesa resultava de um amaneiramento das formas e de um somatório de variados pormenores decorativos que a tornavam pitoresca.
Aquela 2ª geração de arquitectos modernistas recusam a arquitectura monumental-simbólica do Estado Novo e assumem a linguagem do Movimento Moderno Internacional seu contemporâneo. Rejeitam o ecletismo da arquitectura académica e os valores de temporalidade e tradição que ela sugere. Admiram Le Corbusier, Gropius, Mies van der Rohe, Alvar Alto e deixam-se contagiar pela moderna arquitectura brasileira. Procuram o racionalismo, a funcionalidade, a luminosidade e a expressividade.
Os já mencionados e determinantes eventos na Arquitectura Portuguesa vão ditar o fim do mito da nostálgica Casa Portuguesa, pastiche do falso regionalismo.
Integrando-se nas novas concepção estética e consciência teórica surge o trabalho pioneiro do Arqt. Raúl Chorão Ramalho no Arquipélago da Madeira. Diplomado pela Escola de Belas-Artes do Porto (EBAP) em 1947, mesmo antes de terminar o curso, trabalhou com Faria da Costa e Keil do Amaral nos Serviços de Urbanização da Câmara Municipal de Lisboa. Autor de diversas obras por todo o país, a sua produção assenta em larga escala na Ilha da Madeira, nomeadamente no Funchal, para onde veio inicialmente trabalhar (1944) numa missão da Direcção Geral dos Serviços de Urbanização e, simultaneamente, para a Comissão Administrativa dos Aproveitamentos Hidráulicos da Madeira, órgãos dependentes do Ministério das Obras Públicas. Em 1946 é membro fundador do ICAT (Iniciativas Culturais, Arte e Técnica) e participa na I Exposição Geral de Artes Plásticas com uma casa de habitação. Em 1948 participa no I Congresso Nacional de Arquitectura e na III Exposição de Artes Plásticas, com fotografias da remodelação da Cervejaria Trindade, em Lisboa. É membro do júri da selecção e premiação da II Exposição de Artes Plásticas da Fundação Calouste Gulbenkian realizada em 1961 e que pela primeira vez integra projectos arquitectónicos.
Na Madeira, à semelhança do que aconteceu no resto do país, o primeiro e tímido modernismo dos anos 30 é interrompido pela arquitectura do Estado Novo e pelos valores de tradição dos anos 40.
O arquitecto Chorão Ramalho vai afirmativamente implantar a arquitectura modernista na ilha, numa simbiose com a arquitectura vernácula. Vai retomar o tema da Casa Portuguesa (casa regional), não no sentido da casa tipologicamente reproduzível e mimética, mas procurando incorporar na sua moderna arquitectura lições construtivas regionais. Observando e estudando atentamente a arquitectura local, popular vernácula e erudita, atenta às técnicas construtivas locais, aos materiais regionais, à ligação à Natureza que a casa madeirense revela e à sua forma de implantação no terreno, bem como a sua relação com o clima. Absorve, de uma forma expressiva e funcional, materiais locais como a cantaria, o calhau rolado, os tapa-sóis ou a cobertura em “salão”. Atende à memória, à tradição local, sem nunca deixar de fazer uma arquitectura de linguagem moderna do seu tempo. A sua inovadora arquitectura denuncia respeito pela cultura local e evidencia uma clara dialéctica entre tradição e futuro, modernidade e história.
Ao analisarmos os seus inúmeros projectos para a Madeira verificamos que num primeiro momento a sua obra na Madeira se filia no Estilo Internacional, para numa segunda altura a sua produção acultura-se, contextualizando-se tendo, a partir dos anos 70, tornado-se mais expressivamente brutalista.
Como grande parte dos seus edifícios são públicos, Chorão Ramalho preocupou-se em projectar obras para durar, que resistissem à passagem do tempo e que fossem moldáveis e adaptáveis a uma provável expansão dos serviços.
Nas diversas obras constatamos uma clara intenção de pluridisciplinaridade das várias expressões artísticas que Chorão Ramalho pode enfatizar graças à sua relação privilegiada com a elite artística da época, fruto da suas participações nas diversas Exposições Gerais de Artes Plásticas.
Entendidas como obras de arte integradas na arquitectura, fazendo parte de um todo, estas expressões plásticas ajudam a animar a austeridade dos espaços.
Só recentemente surgem no arquipélago exemplares significativos, que na senda de Chorão Ramalho, ancoram a arquitectura contemporânea à arquitectura popular regional.
Chorão Ramalho marcou uma época e uma região, funcional e eticamente, sem alinhar incondicionalmente nas “modas” vigentes. A sua obra no Arquipélago da Madeira constitui património arquitectónico de grande relevância, pela mestria, subtileza, elegância, erudição e aproximação ao meio envolvente que revela.
Este profissional é uma referência na arquitectura da segunda metade do Séc. XX na Madeira e em Portugal, pela qualidade da sua arquitectura, pela coerência entre forma, função e construção e pelo respeito que sempre manifestou pelas memórias e tradições arquitectónicas locais.
Nota Curricular
Emanuel Gaspar é natural de Machico, Madeira. Licenciatura em História da Arte pela Universidade do Porto, em 1996, e com mestrado em Arte e Património, pelo Departamento de Arte e Design da Universidade da Madeira, em 2008, com a classificação de 19 valores.
Professor efectivo do ensino básico e secundário com o cargo de Coordenador do Departamento das Ciências Humanas e Sociais.
Responsável pela Secção do Património da Associação de Arqueologia e Defesa do Património da Madeira (ARCHAIS).
Orador de conferências e formações sobre o património móvel e imóvel da Madeira.
Autor de projectos de classificação de edifícios históricos da Região Autónoma da Madeira.
Tem vários trabalhos publicados na área do Património Cultural e é responsável pela elaboração de alguns inventários concelhios do Património Imóvel.