A Madeira entre 1820 e 1842: relações de poder e influência britânica, Funchal, 500Anos, 2008, p. 783.
"A História Contemporânea da Madeira permanece um mar desconhecido e esta circunstância condiciona a investigação sobre os séculos XIX e XX. Por um lado, torna necessário encontrar respostas para algumas questões básicas (a respeito das realidades política, económica e social), sem as quais qualquer tomada de posição ou tese se pode desenvolver; por outro lado, impõe cuidados redobrados ao investigador, que tem de lidar com um imenso manancial de informação (manuscrita e impressa) e que, para além disso, sente necessidade de - muitas vezes - contrariar ideias feitas, que o tempo e a repetição exaustiva nos apresentam como verdades irrefutáveis, embora sem um verdadeiro fundamento histórico.
O livro sobre o qual vamos falar encontra-se dividido em cinco capítulos. No primeiro, apresentam-se as conjunturas (internacional, atlântica, portuguesa e insular madeirense), explicando-se a importância do legado das guerras napoleónicas, a ascensão britânica e o início da sua hegemonia mundial. Depois, tendo sempre presente que o objecto da investigação foram as relações de poder e a influência britânica na Madeira, analisam-se (capítulos segundo e terceiro) as duas primeiras experiências liberais na Ilha: o primeiro triénio (1821-1823), de pendor radical, e o período de transição e reforma que se lhe seguiu (1823-1828), de cariz moderado. No quarto capítulo, debruçamo-nos sobre os seis anos de guerra civil e de domínio dos miguelistas (1828-1834). E, por último, já no capítulo quinto, analisamos o período 1834-1842, com o regresso da ordem liberal e as profundas divisões políticas, nas quais o elemento britânico também foi preponderante.
Durante o vintismo, destacamos quer o forte sentimento anti-britânico de alguns sectores (da cabala anglomana do governador Manoel de Noronha, à mira da Inglaterra, de Francisco de Oliveira), quer a importância do Foreign Office e do cônsul Henry Veitch na emergência e afirmação do inédito conceito de adjacência.
Depois, analisamos as estruturas e a organização da comunidade britânica, que tinha na Igreja e no exercício da actividade comercial os seus dois principais alicerces: a primeira dava-lhe coesão, contribuindo para promover a unidade numa comunidade onde existiam, saliente-se, profundas divisões; a segunda concedia-lhe o rendimento e parte da sua capacidade de influência. Veitch, o decano dos cônsules britânicos na Europa, foi sempre um dos que melhor o percebeu, reflectindo-se esta consciência na gestão que realizou, tanto dos assuntos comunitários, como das relações com as autoridades insulares.
A segunda metade dos anos Vinte ficou marcada pela guerra civil. A Madeira, acabou por ceder às investidas dos miguelistas, embora tenha sido a última das suas conquistas, da mesma forma que também foi a última das suas cedências, em 1834. Em qualquer dos casos, foi relevante a influência britânica, desde logo no sentido de se realizarem transições tranquilas, evitando-se sempre qualquer conflito armado.
Tudo isto não impediu, como é evidente, que se tivessem verificado problemas de vário teor, quer de oposição ao consulado de Veitch (a partir da própria comunidade britânica e desde o Foreign Office), quer de disputa com as autoridades portuguesas, o que chegou a levar, inclusive, ao afastamento temporário do cônsul, em 1828. Viveu-se então um tempo de alguma instabilidade e muita tensão, com a Madeira dividida entre miguelistas e liberais, contando as duas facções com apoio(s) entre os britânicos.
Com a vitória dos apoiantes de D. Pedro, inaugurou-se uma nova fase nas relações madeirenso-britânicas, que se caracterizou quer pelo reflexo na Ilha da tensão gerada entre os governos de Lisboa e de Londres, quer pela radicalização das divergências no seio da comunidade britânica residente, que levaram ao afastamento definitivo de Veitch e à nomeação de um novo cônsul, George Stoddart. Registaram-se então duas alterações significativas: o fim de uma fase no serviço consular na Madeira, que se iniciara com as guerras napoleónicas; e o início de novas vias de influência, cada vez mais assentes no peso comercial dos interesses britânicos na Ilha e no Atlântico, assim como na sua estreita relação quer com os interesses gerais do Reino de Portugal, quer com os interesses insulares madeirenses.
É neste âmbito que se deve entender, por exemplo, a criação da Associação Comercial do Funchal, a renovação da questão pautal, o problema da Conservatória Britânica, a presença da Ilha nas negociações para o novo Tratado de Comércio luso-britânico (assinado em 1842) e, inclusive, a extrema proximidade entre o madeirense Barão do Tojal, ministro de Estado, e o embaixador britânico em Lisboa, Howard de Walden.
Estamos assim perante uma investigação que se encontra ainda muito longe de estar terminada. Com ela pretendemos dar o nosso contributo a dois níveis: indagar sobre o teor e a verdadeira extensão do poder britânico na Madeira, mostrando ainda qual o papel da Ilha nas políticas externas de Portugal e da Inglaterra; e demonstrar a importância do conhecimento da História da Madeira para uma melhor compreensão da História de Portugal Contemporâneo."
"A História Contemporânea da Madeira permanece um mar desconhecido e esta circunstância condiciona a investigação sobre os séculos XIX e XX. Por um lado, torna necessário encontrar respostas para algumas questões básicas (a respeito das realidades política, económica e social), sem as quais qualquer tomada de posição ou tese se pode desenvolver; por outro lado, impõe cuidados redobrados ao investigador, que tem de lidar com um imenso manancial de informação (manuscrita e impressa) e que, para além disso, sente necessidade de - muitas vezes - contrariar ideias feitas, que o tempo e a repetição exaustiva nos apresentam como verdades irrefutáveis, embora sem um verdadeiro fundamento histórico.
O livro sobre o qual vamos falar encontra-se dividido em cinco capítulos. No primeiro, apresentam-se as conjunturas (internacional, atlântica, portuguesa e insular madeirense), explicando-se a importância do legado das guerras napoleónicas, a ascensão britânica e o início da sua hegemonia mundial. Depois, tendo sempre presente que o objecto da investigação foram as relações de poder e a influência britânica na Madeira, analisam-se (capítulos segundo e terceiro) as duas primeiras experiências liberais na Ilha: o primeiro triénio (1821-1823), de pendor radical, e o período de transição e reforma que se lhe seguiu (1823-1828), de cariz moderado. No quarto capítulo, debruçamo-nos sobre os seis anos de guerra civil e de domínio dos miguelistas (1828-1834). E, por último, já no capítulo quinto, analisamos o período 1834-1842, com o regresso da ordem liberal e as profundas divisões políticas, nas quais o elemento britânico também foi preponderante.
Durante o vintismo, destacamos quer o forte sentimento anti-britânico de alguns sectores (da cabala anglomana do governador Manoel de Noronha, à mira da Inglaterra, de Francisco de Oliveira), quer a importância do Foreign Office e do cônsul Henry Veitch na emergência e afirmação do inédito conceito de adjacência.
Depois, analisamos as estruturas e a organização da comunidade britânica, que tinha na Igreja e no exercício da actividade comercial os seus dois principais alicerces: a primeira dava-lhe coesão, contribuindo para promover a unidade numa comunidade onde existiam, saliente-se, profundas divisões; a segunda concedia-lhe o rendimento e parte da sua capacidade de influência. Veitch, o decano dos cônsules britânicos na Europa, foi sempre um dos que melhor o percebeu, reflectindo-se esta consciência na gestão que realizou, tanto dos assuntos comunitários, como das relações com as autoridades insulares.
A segunda metade dos anos Vinte ficou marcada pela guerra civil. A Madeira, acabou por ceder às investidas dos miguelistas, embora tenha sido a última das suas conquistas, da mesma forma que também foi a última das suas cedências, em 1834. Em qualquer dos casos, foi relevante a influência britânica, desde logo no sentido de se realizarem transições tranquilas, evitando-se sempre qualquer conflito armado.
Tudo isto não impediu, como é evidente, que se tivessem verificado problemas de vário teor, quer de oposição ao consulado de Veitch (a partir da própria comunidade britânica e desde o Foreign Office), quer de disputa com as autoridades portuguesas, o que chegou a levar, inclusive, ao afastamento temporário do cônsul, em 1828. Viveu-se então um tempo de alguma instabilidade e muita tensão, com a Madeira dividida entre miguelistas e liberais, contando as duas facções com apoio(s) entre os britânicos.
Com a vitória dos apoiantes de D. Pedro, inaugurou-se uma nova fase nas relações madeirenso-britânicas, que se caracterizou quer pelo reflexo na Ilha da tensão gerada entre os governos de Lisboa e de Londres, quer pela radicalização das divergências no seio da comunidade britânica residente, que levaram ao afastamento definitivo de Veitch e à nomeação de um novo cônsul, George Stoddart. Registaram-se então duas alterações significativas: o fim de uma fase no serviço consular na Madeira, que se iniciara com as guerras napoleónicas; e o início de novas vias de influência, cada vez mais assentes no peso comercial dos interesses britânicos na Ilha e no Atlântico, assim como na sua estreita relação quer com os interesses gerais do Reino de Portugal, quer com os interesses insulares madeirenses.
É neste âmbito que se deve entender, por exemplo, a criação da Associação Comercial do Funchal, a renovação da questão pautal, o problema da Conservatória Britânica, a presença da Ilha nas negociações para o novo Tratado de Comércio luso-britânico (assinado em 1842) e, inclusive, a extrema proximidade entre o madeirense Barão do Tojal, ministro de Estado, e o embaixador britânico em Lisboa, Howard de Walden.
Estamos assim perante uma investigação que se encontra ainda muito longe de estar terminada. Com ela pretendemos dar o nosso contributo a dois níveis: indagar sobre o teor e a verdadeira extensão do poder britânico na Madeira, mostrando ainda qual o papel da Ilha nas políticas externas de Portugal e da Inglaterra; e demonstrar a importância do conhecimento da História da Madeira para uma melhor compreensão da História de Portugal Contemporâneo."
Paulo Miguel Rodrigues
Funchal, Maio de 2010
Funchal, Maio de 2010
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